sábado, 4 de março de 2017

Ressecamento e dor vaginal em mulheres com câncer de mama. Quem sofre calada?


Nessa semana uma paciente que está tratando câncer de mama se queixou na consulta de muito desconforto vaginal, que veio com o tratamento e se intensificou ao longo dos meses. Dificuldade pra fazer exame ginecológico porque dói, falta de lubrificação e prejuízos na vida a dois...

Peraí, mas Giselle, você não é dermatologista? Que que tem a ver esse assunto?

Bem, minha dermatologia é 50% da semana voltada ao paciente com câncer. Minha preocupação com a qualidade de vida dele ultrapassa a pele, muitas vezes. Outra, dermatologista também estuda mucosa oral e alterações da pele da região genital. Além disso, uma das coisas mais fabulosas de "ser médico" é ouvir histórias e receber as queixas dos pacientes de forma aberta, sejam quais forem. Quão preciosa é essa confiança que o paciente deposita na gente... Parece um confessionário eclesiástico, por vezes. Estamos ali pra escutar, sem tabus, sem preconceitos e sem julgamentos e tentar dar soluções para aquele problema (não vamos mandar ninguém pro purgatório! Talvez uma bronca vez por outra rsrsrs). Essa questão ginecológica em cancer survivors me fez refletir... Acredito que muitas pacientes guardam pra si esse desconforto.

Sintomas genitourinários na menopausa são conhecidos - ressecamento vaginal, dor ao ter relação ou fazer exames ginecológicos, infecções urinárias frequentes, entre outros. O uso de medicamentos vaginais com hormônios femininos é rotina para melhorá-los, na intenção de repor o que está em falta devido à menopausa. Mulheres com câncer de mama podem passar por manifestações de menopausa precoce ou senti-los de forma mais acentuada devido ao tratamento de bloqueio hormonal. Nesses casos, o uso de hormônios femininos gera insegurança e contraindicações,  já que boa parte dos tumores de mama são "alimentados" por essas substâncias.

Quantas mulheres com câncer de mama passam por isso? Será que estamos dando a atenção devida a esse desconforto? Certamente é algo que afeta a qualidade de vida dessas mulheres, especialmente quando estão tomando inibidores da aromatase.

Pelo que li, alguns avanços têm sido feitos nesse campo. Há várias pesquisas recentes, como o uso de medicamentos vaginais com dose muito baixa de estrogênio (sempre fica a "pulga atrás da orelha" sobre segurança), hidratantes e lubrificantes vaginais, exercícios de fisioterapia pélvica e uso de dilatadores vaginais, laser intravaginal (técnica que parece bem interessante e vem ganhando espaço pelos bons resultados), uso de medicamento oral que tem ação estrogênica específica na região vaginal mas que não age na mama nem no endométrio (ospemifeno), testosterona vaginal, além da abordagem psicológica da paciente.

Meninas e jovens senhoras, parece que há luz no final do túnel! Existem meios de se melhorar essa queixa. Procurem um ginecologista e discutam com o oncologista o que pode ser feito. Alguns ginecologistas e dermatologistas têm trabalhado com laser íntimo feminino, o que pode ajudar. Não fiquem caladas... Não é só questão de se resgatar o prazer sexual, mas também de recuperar a função ginecológica e a qualidade de vida!

Abs
Giselle

Fontes:
1. Genitourinary Syndrome of Menopause in Breast Cancer Survivors: Are we facing new and safe hope? Clin Breast Cancer 2015; 15 (6): 413-20.
2. Fractional CO2 laser for vulvovaginal atrophy (VVA) dyspaurenia relief in breast cancer survivors. Arch Gynecol Obstet 2016; 294 (4): 841-6

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